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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Duas xícaras de chá em um dia de chuva

        A chaleira chiava a quase cinco minutos quando ela percebeu. A garota de cabelos ruivos correu até a cozinha e desligou o fogão sorrindo. "Achei que tu ias desligar." ela disse pegando duas xícaras e dividindo a água nelas. Ela se virou e pegou os sachês de chá, e quando percebeu estava sozinha. Pegou um sachê, colocou a água de uma xícara fora, e foi se sentar no sofá. As lágrimas não vinham tão facilmente, há alguns meses atrás esses pequenos enganos acabavam com ela encolhida no sofá chorando compulsivamente. Agora era mais fácil, ela deixava uma ou duas lágrimas caírem e sorria tristemente.     
        No começo ela se pegava falando com ele o tempo todo, agora só acontecia quando estava distraída. Em dias de chuva como esse, em que ela preparava um chá e escolhia um livro de poesias para ler, estes dias que ele adorava. Eram os dias mais difíceis. Quando levou a xícara quente à boca percebeu que aquele era o chá preferido dele, e não o dela, e que o livro que tinha nas mãos era de poesias de Drummond e não de Quintana.  Abriu o livro e riu divertida com a dedicatória que tinha escrito para ele, 'eles passarão, eu passarinho', o sorriso dele ao ler aquela dedicatória surgiu ao lado dela. Ela se levantou e pegou seu livro preferido de poesias de Mário Quintana, abriu o livro e leu a dedicatória, 'Mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo', gargalhou como da primeira vez que leu aquelas linhas. Era estranho saber que no próximo aniversário ela não receberia um livro de poesias de Quintana com versos de Drummond de dedicatória.
        As lágrimas não pediram sua permissão para cair, em poucos segundos ela se viu sentada no chão abraçada a um livro chorando. Chorando aquele choro do começo. E toda a dor estava ali de novo. A dor que ela sentia diariamente e a dor que ela mantinha escondida. E, inutilmente, ela esperava que ele fosse se sentar ao lado dela e a abraçar. Ela esperava que ele fosse voltar e acabar com aquela dor. Por que é difícil levantar de manhã e manter um sorriso no rosto, quando tudo que se quer é ficar sozinha e chorar.

       Por que é difícil fazer uma xícara de chá quando se está acostumada a fazer duas. Por que é impossível ler Drummond sem lembrar dele. Por que é impossível ler Quintana sem lembrar deles. Ela deixou que as lágrimas viessem, e os soluços, e as memórias, e que toda a dor fosse sentida. Ela deixou. Por que era preciso de muita força para não chorar em dias de chuva como os que ele gostava, e ela era uma garota ruiva pequena e magricela, e ela o amava. Por que é impossível ser forte em dias de chuva.

Bruna K., 27-6-2012

 

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