Ofereceste-me uma xícara de café. Quente e forte,
numa xícara enorme, verde, uma xícara de chá que serviria para café. Adquiri
este meu hábito quando trabalhei nos Estados Unidos: tomar café em xícara
grande. Não cheguei ao cúmulo de abandonar o café forte e aderir ao café
aguado, mas simplesmente aumentei a quantidade. Visitava-lhe a pretexto
de lhe mostrar alguns textos recentes e discutir uma ideia que surgira para um
livro. Fazia tempo que não lhe visitava e ansiava por poder deixar o tempo da tarde
correr sem hora em companhia dela, sem ter o ponteiro do relógio como carrasco.
Observei os belos olhos castanhos a percorrer as
páginas, enquanto tentava adivinhar seus pensamentos, sua crítica, sua
impressão, sua reação, um eventual elogio, algum sinal, alguma emoção.
Esboçaste um leve sorriso ao ler uma frase perdida no texto. Tranquilizei-me.
Senti uma alegria interna, contida, mas uma leve aceleração do ritmo cardíaco
persistia.
Distrai-me quando ajeitaste uma mecha de cabelo que
caíra-lhe sobre o rosto, empurrando-a por detrás da orelha. Percebi o brilho do
teu olhar, a vivacidade e a beleza tranquila de um rosto jovem, que escondia
com maestria a idade verdadeira. Sem tirar os olhos do papel, tomaste um gole
de café. O café era um momento sagrado e o silêncio que dominava o ambiente
transmutava a literatura num ato quase religioso. Não a interrompi. Esperei
pacientemente imerso numa longa admiração de seu rosto.
Sobre o centro da mesa, havia uma pequena vasilha
com grãos de café torrados e cujo aroma só era percebido quando se aproximava o
olfato da peça de decoração. Cada grão parecia representar os inúmeros segredos
que compartilhávamos; cada grão era um ano de uma amizade talhada nas palavras,
na escrita e na paixão pela leitura.
O sol se punha e uma leve penumbra abraçava o
ambiente. Só então, ao ler a última folha, olhou-me com um sorriso. Não havia
necessidade de palavras; antes de falar tinha a certeza de que havia gostado do
texto. Como tantas outras vezes, bastava um olhar para que nos entendêssemos.
Desta vez, porém, estava determinado a quebrar o silêncio e a romper a barreira
do temor. Não arredaria o pé daquela aconchegante casa sem antes derramar meu
coração sobre mesa. O tempo não seria mais complacente comigo.
Renato Bueloni
Ferreira, 22-10-2012
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