É interessante, ao
acordarmos e nos posicionarmos à mesa para tomar o café da manhã, a disposição
das louças. Colocamos sempre a quantidade exata para o número de pessoas que
irão deliciar-se com o dejejum.
Engraçado como temos
alguma coisa a ver com simples objetos, seres inanimados, irracionais. Dispor
xícaras e pratos à mesa, equivalentes à quantidade de membros da família, é
como se nós estivéssemos numa escala proporcional às louças, como se a presença
de um, dependesse da existência do outro.
Pensando bem, o tempo
de vida útil de pratos e xícaras, assim como o dos copos e talheres depende sim
da presença de um habitante do lar.
Lembro-me bem da manhã
seguinte ao casamento do meu irmão mais velho. Minha mãe, como sempre, de pé,
muito cedo, preparando as delícias matinais. Seis lugares a postos. Isso
indicava que seis pessoas sentariam ali, seis xícaras seriam usadas, num café
da manhã regado a muitas conversas, umas boas, outras que soavam como puxões de
orelha, mas que seriam as nossas conversas. Coitada de minha mãe! Ela ainda não
havia se acostumado com apenas cinco pessoas. Ainda não havia internalizado que
o grupo familiar havia diminuído, que meu irmão deixou de ser família para
virar parente que nos visitaria somente nos finais de semana, isso quando não
fosse arrastado para a casa da sogra. Nesse dia, sorrimos.
Passado algum tempo,
algo fez com que minha mãe não tivesse vontade de preparar nosso café da manhã.
Não sei nem se ela conseguiu dormir na noite anterior.
Fui à cozinha, e, com
os olhos marejados, preparei o café e dispus as louças. Eu já estava acostumada
a ver só cinco xícaras na mesa. Mas nesse dia, com um aperto no coração,
coloquei somente quatro.
Depois de muita
insistência minha e de meus irmãos mais novos, minha mãe saiu do quarto para
tomar café. Ela não conseguiu quebrar o jejum. Faltava uma xícara. Faltava
alguém. Alguém que não iria nos visitar nos fins de semana para colocarmos uma
louça a mais na mesa. Faltava o meu pai.
Desde aquele dia,
sentamo-nos à mesa, mas há um vazio. As conversas? Talvez elas voltem. A
xícara? Talvez também seja colocada, talvez quebre, mas com a certeza de que
poderá ser substituída. Mas, meu pai, insubstituível, esse deixará um vazio, que
nunca poderá ser preenchido.
Priscilla Robertha de Andrade, 2011 - em memória de Francisco
Luís da Silva.
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