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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A casa dos cacos


Todos os dias, ao sair de casa no Bairro Carlos Prates em direção ao trabalho, Carlos Luiz de Almeida passava no Café Nice, na Praça Sete. Após tomar o tradicional café forte, o geólogo discretamente deixava a xícara cair no chão. Pedia, além das desculpas, para que o garçom o deixasse levar os cacos para casa. A freqüência com que as quedas aconteciam intrigava os funcionários. Como podia um senhor quebrar uma xícara toda vez que visitava o estabelecimento? O resultado está a pouco mais de 20 quilômetros dali. São 832 xícaras que, juntas, formam uma imensa parede de porcelana.

Por si só a parede de xícaras seria suficiente para chamar a atenção dos que passam em frente à casa de número 132 da rua Inglês Glasman. Mas ela se junta a outras dezenas de paredes e objetos que formam a Casa dos Cacos de Louça, resultado do sonho de um cidadão que resolveu transformar seu tempo livre em arte. Fechado há quase uma década, por falta de manutenção, um dos mais importantes bens tombados pelo Patrimônio Histórico da cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, esconde uma história de ousadia e persistência.

Em setembro de 1963, com pouco mais de 50 anos de idade, Carlos resolveu ocupar o tempo livre com a reforma do banheiro de sua casa de descanso, em Contagem. Mas ele queria uma coisa diferente, com movimento. Resolveu, então, emendar pedaços de azulejos velhos que, juntos, ganhavam vida através de desenhos. Paredes, pia, banheira e até o sabonete, tudo foi coberto com cacos coloridos. Como sobrou material, o gelólogo/artista resolveu cobrir outra parede, e depois outra, até que, um dia, decidiu: queria toda a casa coberta com porcelana em pedaços. A família reagiu de imediato, acreditando que ele estava louco, mas acabou se convencendo com as idéias do patriarca. “Se o poeta junta palavras para fazer sua poesia, porque não juntar os meus cacos para fazer a casa dos meus sonhos”, justificava.

Foram mais de 27 anos de trabalho até que a casa ficasse todinha coberta por cacos de louça. Aos poucos, a paisagem do bairro Bernardo Monteiro ia mudando. Todos queriam ver a obra mais ousada e inovadora da cidade. Até o popular Chacrinha fez questão de conhecer a casa, que foi aberta para visitação pública. Em todas as entrevistas, Seu Carlos pedia para que os visitantes doassem cacos para contribuir com o término da sua obra de arte. Aí apareceram porcelanas vindas de Portugal, Itália, França e até do Japão. Sem querer, o geólogo tinha virado artista e sua casa se tornou um ponto turístico da cidade.

Na fachada, em tons de branco e azul, estão estrelas, peixes, borboletas e até um galo que dá as boas-vindas aos visitantes. Tudo feito com restos de pratos, copos, conjuntos de jantar. A varanda mais parece um zoológico, com cavalos, carneiros e até uma família de elefantes. Um deles chamava a atenção das crianças. Era o Fifi que, além de grande, falava. Na verdade, era Seu Carlos que ficava escondido dentro da estátua enquanto a meninada visitava o parquinho. Em poucos minutos, todos largavam os brinquedos para bater um papo com o animal.

O idealismo do artista influenciou os vizinhos e logo outras casas da rua já sofriam influência das idéias do artista. Carlos morreu em 1989 e, desde então, o futuro da Casa dos Cacos é incerto. Na década de 90, a Prefeitura de Contagem adquiriu o imóvel da família e fez o tombamento junto ao Patrimônio Histórico Municipal. Desde então, o espaço está fechado para a visitação pública. Com o tempo, os cacos estão caindo e a história se perdendo. Enquanto o mosaico está na moda em todo o mundo, um grande exemplar dessa arte se perde bem próximo de nós.

Publicado originalmente no blog do Rafael Araújo em 7 de março de 2009
www.rafaelaraujo.blog.br

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