Primeiro, eu enchia o vidro de remédio, ou melhor, a jarra de cristal austríaco, herança de família. Depois, despejava a água em uma porção de tampinhas de pasta de dentes, as xícaras de porcelana chinesa dos convidados. A tampa metálica de um pote de geléia era a mesa de mogno, onde travessas de louça branca – caixinhas de papel – ostentavam os quitutes do dia: pãezinhos de terra recém-saídos do forno, brioches de tijolo salpicados de areia, salada de trevos e, com um pouco de sorte, arredios bombons de tatu-bola, que saíam andando antes do primeiro bocado.
Vinte anos atrás, quando as pessoas não sabiam o que era camada de ozônio e estavam se lixando para as baleias, eu me divertia com as tralhas que minha mãe juntava. Não me lembro de termos conseguido a proeza de uma refeição com copos iguais porque todos eram antigas embalagens de requeijão ou geléia. Em casa, latas de tinta se transformavam em caixas para brinquedos, vidros de Nescafé viravam porta-mantimentos e pratinhos de isopor aparavam a água das muitas plantas em vaso. Suspeito que minha mãe ainda tenha TODOS os potes de sorvete que já tomou na vida.
Cresci numa família em que nada era descartável. Presentes eram delicadamente abertos para que o papel de embrulho pudesse ser reaproveitado. Caixas de papelão guardavam toda sorte de objetos, de cobertores a material escolar. Eu ganhava roupas de uma prima mais velha e repassava-as para minha irmã, que mandava tudo para a prima caçula, num ciclo que durava tanto quanto as fibras do tecido.
Cada vez que vejo algo útil e em bom estado no lixo, imagino uma criança sem brinquedo. Uma tristeza jogarem fora todas essas xícaras de porcelana chinesa.
Carol Costa, 2008
Este texto faz parte da blogagem coletiva do Dia da Terra e foi postado originalmente no blog "Guindaste".
Nossa, Irene, isso é que é gostar de xícara, hein? Muito interessante seu blog! Pode copiar o texto, claro. Creditado, que mal tem?
ResponderExcluirCarolina Costa
carolcost78@hotmail.com