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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Carta de desamor

Cup of Tea

Está tudo acabado entre nós! Estou farto, não aguento mais esta situação…
Todos diziam que tínhamos sido feitos um para o outro e tinham razão. O criador dotou-te de curvas bem definidas e a mim fez-me mais rectilíneo, com uma reentrância onde te encaixavas perfeitamente. Os primeiros tempos da nossa vida foram fenomenais! A nossa lua-de-mel passámo-la numa loja do Gato Preto, dentro de uma caixa de cartão, muito juntinhos e embrulhados em “lençóis” de seda. Dizias que me amavas, e eu acreditava…
Depois quando nos mudámos para casa, a nossa vida melhorou. Passámos a viver na cristaleira da sala de jantar, e a fazer parte do jet-set. Frequentávamos chás canasta e tu eras sempre o centro das atenções… Chás de toda a parte do mundo disputavam os teus favores, mas tu, sempre fiel à tua linhagem, preferias sempre os ingleses. E eu ficava ali, deslumbrado a ver-te. Sentindo teu corpo a aquecer, seguindo teus movimentos para cima e para baixo, até te recolher toda só para mim. Depois, seguíamos muito juntinhos para a máquina de lavar a loiça, onde a seguir a uma pré-lavagem brincávamos com os flocos de detergente como crianças a brincar com a neve.
Foram tempos maravilhosos!…
Mas aos poucos e poucos as coisas foram-se desmoronando. Primeiro alguém resolveu meter entre nós uma colher. Eu devia ter desconfiado… Devia–me ter lembrado do ditado “entre marido e mulher não metas a colher”. Mas o que é certo é que a meteram, e foi aqui que começou o meu calvário.
Os chás canasta deram origem aos five o’clock tea e eu ficava ali amparando-te, enquanto a colher te penetrava, e com gestos mais ou menos ritmados, te punha a cabeça a andar à roda. Eu roía-me todo de ciúmes, mas fazia um esforço para disfarçar, pois não queria que tu pensasses que eu era old fashion. Mas mal sabia eu, o que estava para vir…
A partir daqui começaste a agir de um modo diferente. Já não procuravas a minha companhia, e às vezes à noite quando eu fingia que estava a dormir, via-te a saltitar de pires em pires. Tudo isto fui aguentando por amor!
Mas o destino reservava-me outras surpresas maiores…
De repente abandonaste os Timings e os Whittard e começaste a meter-te nos pozinhos. Primeiro os cacaus, depois os chocolates, desprezando por completo as tuas origens de uma verdadeira cup of tea!
E foi o começo da tua desgraça!
De pó em pó foste parar à cafeína, e como se isso não bastasse, começaste a juntar-lhe um “cheirinho”. Foi o fim.., deixaste de ir à máquina de lavar e passavas as noites de pernas pró ar no lava loiças, a curtir o teu “cheirinho”.
Basta!
Para mim basta!
Acabou tudo entre nós. Quando voltares, já não estarei na cristaleira da sala, pois mudei-me para o armário da cozinha. Quero ser livre, quero viver as coisas simples da vida, como sentir o peso de um brigadeiro, ou de um pastel de Belém. Quero que me encham de mousse de chocolate, leite-creme ou bavaroise de ananás.
Enfim…quero viver a minha vida sem ti.
Adeus Xícara, até sempre!
Pires

Nota: Cup of tea ao receber tal missiva, não aguentando tamanha dor, aproveitou umas mãos engorduradas e deixou-se cair no chão ficando totalmente destroçada!
Hermínio Corrêa, fevereiro 2009

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