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quarta-feira, 30 de junho de 2010
Moça, a senhora é rica?
Era inverno e elas entraram às pressas pela porta dos fundos – duas crianças em casacos surrados e pequenos para o seu tamanho.
"A senhora tem aí uns jornais velhos?"
Eu estava ocupada. Queria dizer não, mas olhei para os seus pés e vi que usavam sandálias abertas, cheias de gelo.
"Entrem, que eu faço uma xícara de chocolate para vocês."
Suas sandálias encharcadas deixaram marcas na pedra da lareira, mas eu não consegui reclamar. Servi o chocolate quente acompanhado de torradas com geléia e voltei para a cozinha, onde retornei meu trabalho.
Estranhando o silêncio na sala da frente, fui até lá ver o que estava acontecendo.
A menina segurava a xícara vazia e a olhava atentamente. O menino me perguntou numa voz sem emoção:
"Moça, a senhora é rica?"
"Rica? Eu? Misericórdia!" Olhei para meus estofados gastos.
A menina pôs a xícara sobre o pires, cuidadosamente.
"Suas xícaras combinam com os pires."
Sua voz era a de uma pessoa mais velha, com uma fome que não vinha do estômago.
Eles saíram, segurando os maços de jornal, lutando contra o vento. Nem agradeceram, mas não era necessário. Tinham feito muito mais do que isso. Xícaras e pires tão simples, de louça azul. Mas combinavam. Virei o assado e coloquei as batatas no molho. Batatas com molho ferrugem, um teto sobre a cabeça, meu marido com um emprego estável – essas coisas também combinavam.
Tirei as cadeiras de perto da lareira e limpei a sala. As pegadas cheias de lama ainda estavam por ali e eu as deixei ficar. Quero que permaneçam no mesmo lugar, caso eu me esqueça novamente de como sou rica.
Texto de Marion Doolan, parte do livro Histórias para Aquecer o Coração II (Jack Canfield e Mark Victor Hansen), Editora Sextante.
"A senhora tem aí uns jornais velhos?"
Eu estava ocupada. Queria dizer não, mas olhei para os seus pés e vi que usavam sandálias abertas, cheias de gelo.
"Entrem, que eu faço uma xícara de chocolate para vocês."
Suas sandálias encharcadas deixaram marcas na pedra da lareira, mas eu não consegui reclamar. Servi o chocolate quente acompanhado de torradas com geléia e voltei para a cozinha, onde retornei meu trabalho.
Estranhando o silêncio na sala da frente, fui até lá ver o que estava acontecendo.
A menina segurava a xícara vazia e a olhava atentamente. O menino me perguntou numa voz sem emoção:
"Moça, a senhora é rica?"
"Rica? Eu? Misericórdia!" Olhei para meus estofados gastos.
A menina pôs a xícara sobre o pires, cuidadosamente.
"Suas xícaras combinam com os pires."
Sua voz era a de uma pessoa mais velha, com uma fome que não vinha do estômago.
Eles saíram, segurando os maços de jornal, lutando contra o vento. Nem agradeceram, mas não era necessário. Tinham feito muito mais do que isso. Xícaras e pires tão simples, de louça azul. Mas combinavam. Virei o assado e coloquei as batatas no molho. Batatas com molho ferrugem, um teto sobre a cabeça, meu marido com um emprego estável – essas coisas também combinavam.
Tirei as cadeiras de perto da lareira e limpei a sala. As pegadas cheias de lama ainda estavam por ali e eu as deixei ficar. Quero que permaneçam no mesmo lugar, caso eu me esqueça novamente de como sou rica.
Texto de Marion Doolan, parte do livro Histórias para Aquecer o Coração II (Jack Canfield e Mark Victor Hansen), Editora Sextante.
terça-feira, 29 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Na mesa
Sobre a toalha, o pão,
o bule, as xícaras, o café,
confabulam. Que dizem
no seu silêncio de coisas
tocadas de esperança,
da latente esperança
da manhã? Dir-se-ia
que se sentem ligados
à vida - ou que na vida
se irmanam, se confundem,
pousados sobre a mesa
como em seu próprio mundo,
pousados no silêncio
como se tudo fosse,
para eles, a dádiva
fascinante, translúcida.
A um canto, solitária,
uma faca os espia.
o bule, as xícaras, o café,
confabulam. Que dizem
no seu silêncio de coisas
tocadas de esperança,
da latente esperança
da manhã? Dir-se-ia
que se sentem ligados
à vida - ou que na vida
se irmanam, se confundem,
pousados sobre a mesa
como em seu próprio mundo,
pousados no silêncio
como se tudo fosse,
para eles, a dádiva
fascinante, translúcida.
A um canto, solitária,
uma faca os espia.
Alphonsus de Guimaraens Filho (1918-2008)
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Harry Herman Roseland
(1) Reading tea leaves
Harry Herman Roseland (1986-1950) era um pintor americano muito conceituado em seu estilo de pintura durante o século 19 e início do século 20. A maioria de suas pinturas mostra a vida de afro-americanos, contando histórias, provocando emoções, fazendo rir. São pinturas muito bonitas.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Hoje, acabaram-se as xícaras
Maria Célia e eu tínhamos um jogo de 6 xícaras com seus respectivos pires. Semanas atrás, Maria Célia deixou cair uma xícara, mas salvou seu pires. Caiu-me outra xícara das mãos na semana seguinte, enquanto recordava uns versos de Augusto dos Anjos. A colher também escapou-me.
Despertei com o ruído na sala, Maria Célia recolhendo xícaras, copos, cinzeiros, o que restara mais que a memória de uns amigos da noite anterior. O jogo ia se tornando confuso com seus pires lascados, xícaras sem asa, e nenhum de nós se lembrava mais de quantas xícaras e pires havia de fato. Às vezes mais do que podíamos ver na bandeja. Às vezes menos.
Na manhã de sexta, encontrei um de seus bilhetes, itens caracterizados pelo grafismo travesso dela:
– tirar manteiga da geladeira
– comprar ovos
– leite
– não esquecer de contar as xícaras
Isso me incomodou, o último item. Pois na quinta ela havia contado 4 xícaras e 5 pires. E na terça, dois dias antes, pude reconhecer 2 xícaras e 3 pires. Sendo inadmissível que algum desses objetos tenha se reorganizado e retornado à bandeja voluntariamente, começamos a desconfiar que o tempo na verdade existia.
Observávamos o verdadeiro número de xícaras e pires restantes, o que não correspondia às nossas convicções e ainda nos espantava continuamente. Cada xícara que nos escapava vinha confirmar a Segunda Lei da Termodinâmica, variante daquela Lei de Murphy, que pressupõe o universo, tanto quanto o podemos considerar, um sistema fechado, no caminho irreversível da desordem. Assim, qualquer xícara da Rússia czarista ou seu similar entre os maias já tinha, desde sempre, seu destino comum: o espedaçar-se, o fragmentar-se de seu todo. Se por acaso uma delas ainda se conserva em alguma parte, não importa: jaz no silêncio de espera por sua trajetória fatal de cacos do futuro, pois não há, na seta do tempo, chances de eternidade para os corpos organizados.
A situação de tal forma tornara-se desconcertante que tivemos dificuldade em servir café a um amigo que nos veio visitar justamente num dia em que só encontramos uma xícara na bandeja, apesar dos cinco pires. Meu amigo, analista de sistemas e físico amador, compreende exatamente o que significa um pires, uma xícara, por isso ignora o deslumbramento. Também, por estar distraído com fórmulas e equações, não conhece o arrepio de se tentar deslindar, apenas com a intuição, o universo.
Maria Célia e eu temos xícaras e pires que não mais nos desafiam pela complexidade de suas variações. Nosso cotidiano nunca mais foi o mesmo desde que descobrimos o caráter inextricável das dimensões que interagem com a realidade humana, bem como as inúmeras possibilidades de nossos corpos quando juntos.
Hoje, perdemos a tesoura.
Perce Pollegato, 2001 (texto encontrado no livro Lisette Maris em seu Endereço de Inverno, do mesmo autor)
http://www.allprinteditora.com.br/produtos_det.php?cod_produto=397
Despertei com o ruído na sala, Maria Célia recolhendo xícaras, copos, cinzeiros, o que restara mais que a memória de uns amigos da noite anterior. O jogo ia se tornando confuso com seus pires lascados, xícaras sem asa, e nenhum de nós se lembrava mais de quantas xícaras e pires havia de fato. Às vezes mais do que podíamos ver na bandeja. Às vezes menos.
Na manhã de sexta, encontrei um de seus bilhetes, itens caracterizados pelo grafismo travesso dela:
– tirar manteiga da geladeira
– comprar ovos
– leite
– não esquecer de contar as xícaras
Isso me incomodou, o último item. Pois na quinta ela havia contado 4 xícaras e 5 pires. E na terça, dois dias antes, pude reconhecer 2 xícaras e 3 pires. Sendo inadmissível que algum desses objetos tenha se reorganizado e retornado à bandeja voluntariamente, começamos a desconfiar que o tempo na verdade existia.
Observávamos o verdadeiro número de xícaras e pires restantes, o que não correspondia às nossas convicções e ainda nos espantava continuamente. Cada xícara que nos escapava vinha confirmar a Segunda Lei da Termodinâmica, variante daquela Lei de Murphy, que pressupõe o universo, tanto quanto o podemos considerar, um sistema fechado, no caminho irreversível da desordem. Assim, qualquer xícara da Rússia czarista ou seu similar entre os maias já tinha, desde sempre, seu destino comum: o espedaçar-se, o fragmentar-se de seu todo. Se por acaso uma delas ainda se conserva em alguma parte, não importa: jaz no silêncio de espera por sua trajetória fatal de cacos do futuro, pois não há, na seta do tempo, chances de eternidade para os corpos organizados.
A situação de tal forma tornara-se desconcertante que tivemos dificuldade em servir café a um amigo que nos veio visitar justamente num dia em que só encontramos uma xícara na bandeja, apesar dos cinco pires. Meu amigo, analista de sistemas e físico amador, compreende exatamente o que significa um pires, uma xícara, por isso ignora o deslumbramento. Também, por estar distraído com fórmulas e equações, não conhece o arrepio de se tentar deslindar, apenas com a intuição, o universo.
Maria Célia e eu temos xícaras e pires que não mais nos desafiam pela complexidade de suas variações. Nosso cotidiano nunca mais foi o mesmo desde que descobrimos o caráter inextricável das dimensões que interagem com a realidade humana, bem como as inúmeras possibilidades de nossos corpos quando juntos.
Hoje, perdemos a tesoura.
Perce Pollegato, 2001 (texto encontrado no livro Lisette Maris em seu Endereço de Inverno, do mesmo autor)
http://www.allprinteditora.com.br/produtos_det.php?cod_produto=397
Morreu José Saramago
Pela primeira vez neste blog vou abrir uma exceção e não vou falar de xícaras. O post é para homenagear um dos maiores escritores de nossa língua portuguesa, JOSÉ SARAMAGO, falecido hoje em sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma falência múltipla de órgãos, após uma prolongada doença. Segundo o site da Fundação José Saramago, ele morreu acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila.
José de Sousa Saramago nasceu na aldeia portuguesa de Azinhaga, província de Ribatejo, no dia 16 de novembro de 1922. De acordo com seus biógrafos, apesar de só ter estudos na escola secundária, ele era fascinado pela literatura desde jovem e visitava com grande freqüência a Biblioteca Municipal Central Palácio Galveias, na capital portuguesa. Só aos 19 anos, com dinheiro emprestado de um amigo, conseguiu comprar pela primeira vez um livro.
Publicou o seu primeiro romance, Terra do Pecado, em 1947. Entre este livro e 1988, quando foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura (o primeiro a ser dado a um escritor português), publicou vários romances (gênero que o consagrou), poesias, crônicas, contos, diários, peças de teatro. Em 2008 o cineasta brasileiro Fernando Meirelles transpôs para o cinema sua obra 'Ensaio Sobre a Cegueira'.
Recebeu também vários prêmios em Portugal e internacionais (Itália, Inglaterra) e é considerado por especialistas um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003 o pelo crítico norte-americano Harold Bloom o distinguiu como o mais talentoso romancista vivo. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas, inclusive sueco, romeno e húngaro.
José de Sousa Saramago nasceu na aldeia portuguesa de Azinhaga, província de Ribatejo, no dia 16 de novembro de 1922. De acordo com seus biógrafos, apesar de só ter estudos na escola secundária, ele era fascinado pela literatura desde jovem e visitava com grande freqüência a Biblioteca Municipal Central Palácio Galveias, na capital portuguesa. Só aos 19 anos, com dinheiro emprestado de um amigo, conseguiu comprar pela primeira vez um livro.
Publicou o seu primeiro romance, Terra do Pecado, em 1947. Entre este livro e 1988, quando foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura (o primeiro a ser dado a um escritor português), publicou vários romances (gênero que o consagrou), poesias, crônicas, contos, diários, peças de teatro. Em 2008 o cineasta brasileiro Fernando Meirelles transpôs para o cinema sua obra 'Ensaio Sobre a Cegueira'.
Recebeu também vários prêmios em Portugal e internacionais (Itália, Inglaterra) e é considerado por especialistas um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003 o pelo crítico norte-americano Harold Bloom o distinguiu como o mais talentoso romancista vivo. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas, inclusive sueco, romeno e húngaro.
Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.(José Saramago)
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Victoria & Albert Museum - Londres
2. Xícara de café em porcelana da marca "Josiah Wedgwood's Etruria Factory" (Staffordshire, Inglaterra), datada de 1885.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Xícaras em anéis e pulseiras
Recebi da Rejane Paiva um comentário falando sobre uma xícara/anel. Fiquei curiosa e fui ver no blog http//ateliegaaya.blogspot.com, indicado por ela.
Achei tão interessante que resolvi postar aqui. Vejam se não é o cúmulo do exagero (rsrsrs): café com creme e tudo!
Daí, me lembrei de umas pulseiras feitas com recortes de xícaras, que vi há algum tempo na net e resolvi completar o post ...
Daí, me lembrei de umas pulseiras feitas com recortes de xícaras, que vi há algum tempo na net e resolvi completar o post ...
Marcadores:
Acessórios,
Anéis,
Miniaturas,
Pulseiras
terça-feira, 1 de junho de 2010
Xícara brasileira
Eu tirei algumas fotos da Confeitaria, mas não estão muito boas, por isso decidi pedir "emprestadas" as fotos tiradas por Tiago e Bebel, e publicadas no blog da Clara Favilla, para colocar aqui e mostrar a beleza do lugar.
1) Salão suntuoso, com paredes cobertas de espelhos e cristaleiras (2) Piso de ladrilhos hidráulicos (3) Imensa e linda clarabóia, com vitral colorido, enfeita o teto.

Xícara e não caneca
Sim, porque existem algumas grandes diferenças entre as duas. Nem tanto pela forma mas pelo que representam.
As xícaras possuem como forma principal as linhas arredondadas. Sua boca possui formas redondas perfeitas ou levemente ovaladas. Mesmo em xícaras mais modernas e retas, a boca, ainda assim, tem alguma leve curvatura.
Além disso, tem a alça, sempre cheia de sinuosidades e dos mais diversos estilos:
- antigas, meio barrocas: cheias de rococós;
- art-nouveau: com alças que parecem folhas, ramos, asas;
- quem sabe meio art-decó: com formas geométricas mas bem definidas.
E outros estilos... Mas nenhum deles escapará de algo sinuoso, leve e arredondado.
Com certeza você tem alguma xícara aí por perto. Então pegue, analise. Se possuí-las de estilos diferentes coloque em sua frente e observe as sinuosidades que também estarão presentes em sua base e no contorno. Algumas xícaras possuem pé e aí, também, você encontrará as formas sinuosas.
Disse que começaria falando do feminino e é isso mesmo que estou fazendo; porque o feminino é o sinuoso, seja ele mais aberto — totalmente redondo — ou mais fechado — como nas formas mais ovais.
A linha curva é característica do feminino, é a sua linguagem sinestésica. Então a xícara é um objeto puramente feminino. Não confunda essa afirmação com o fato de a palavra ser feminina — uma xícara — e também não ache que a xícara deve ser usada apenas por mulheres. Existem xícaras com estilo, cor e pinturas mais masculinas do que femininas. Estamos falando aqui da forma, e não da palavra.
Então já temos a primeira relação objeto e design: o feminino das sinuosidades.
Agora, para que serve uma xícara? Em xícaras não se tomam líquidos gelados.
Alguém aqui pode até usá-la assim, mas realmente não foi feita para bebermos água, leite ou chá gelado ou sucos e refrigerantes. Normalmente para isso se usaria um copo ou até mesmo uma caneca — caneca de chope, por exemplo.
Xícaras foram feitas para líquidos quentes, por isso tem pires, por isso são mais delicadas.
O quente, o calor, é mais delicado que o frio. O frio é cortante; o calor é estonteante. Nos cobrimos no frio, nos despimos no calor.
No inverno tomamos líquidos quentes para ter mais aconchego. Aquecemos a casa para ter mais conforto. Ou seja, o quente sempre está associado a sensações delicadas, leves, gostosas. Nos abraçamos, nos beijamos e isso dá calor, esquenta.
O amor é quente. Então temos aqui outra associação no design de uma xícara: o calor humano, a sensualidade, o amor, o sexo.
E essa linguagem mais sensual continua no modo que usamos uma xícara.
Usando uma caneca, mesmo com alça e com líquido quente, podemos segurá-la e volta, envolvendo nossas mãos pela caneca toda ou segurando pela alça, que em caso de canecas normalmente são mais grossas e menos delicadas.
Já uma xícara, por causa de sua forma, é muito mais difícil segurá-la em volta. A alça se faz necessária, passar o dedo por dentro da alça é necessário e este é um gesto sensual. Xícaras possuem pires que são usados sempre juntos e existe um encaixe entre as duas formas. São duas formas redondas, mas ainda assim um pires é mais plano, mais reto.
O ato de pegar uma xícara e levá-la à boca é uma ação mais leve, mais delicada.
Então podemos dizer, com certeza, que xícaras são femininas, sensuais e delicadas. Por isso histórias com xícaras sempre têm um tom mais romântico e lembranças mais amorosas.
No trecho de conto que encerra este artigo, tente transformar a xícara em caneca e você perceberá a diferença entre os dois objetos [...]
Isso me fez lembrar da minha mãe, que também adorava miniaturas de xícaras. Lembro-me muito bem de um móvel em miniatura que tínhamos na cozinha de casa — na verdade tínhamos dois destes — onde existiam miniaturas de xícaras. Eu mesma a presenteei e também acabei quebrando algumas de suas xicrinhas.
Também me lembro da última vez que compramos um jogo completo de xícaras que hoje estão comigo aqui em casa. Xícaras grandes, redondas, amarelas com flores delicadas em azul. Lembro-me de tomar café com minha mãe e eram momentos assim alegres, amarelos como o sol, delicados e leves como pequenas miosótis azuis.
São lembranças leves, delicadas e aconchegantes como uma xícara.
Márcia Okida (designer gráfica, professora universitária), junho de 2010
Texto publicado originalmente no site Artefato Cultural
As xícaras possuem como forma principal as linhas arredondadas. Sua boca possui formas redondas perfeitas ou levemente ovaladas. Mesmo em xícaras mais modernas e retas, a boca, ainda assim, tem alguma leve curvatura.
Além disso, tem a alça, sempre cheia de sinuosidades e dos mais diversos estilos:
- antigas, meio barrocas: cheias de rococós;
- art-nouveau: com alças que parecem folhas, ramos, asas;
- quem sabe meio art-decó: com formas geométricas mas bem definidas.
E outros estilos... Mas nenhum deles escapará de algo sinuoso, leve e arredondado.
Com certeza você tem alguma xícara aí por perto. Então pegue, analise. Se possuí-las de estilos diferentes coloque em sua frente e observe as sinuosidades que também estarão presentes em sua base e no contorno. Algumas xícaras possuem pé e aí, também, você encontrará as formas sinuosas.
Disse que começaria falando do feminino e é isso mesmo que estou fazendo; porque o feminino é o sinuoso, seja ele mais aberto — totalmente redondo — ou mais fechado — como nas formas mais ovais.
A linha curva é característica do feminino, é a sua linguagem sinestésica. Então a xícara é um objeto puramente feminino. Não confunda essa afirmação com o fato de a palavra ser feminina — uma xícara — e também não ache que a xícara deve ser usada apenas por mulheres. Existem xícaras com estilo, cor e pinturas mais masculinas do que femininas. Estamos falando aqui da forma, e não da palavra.
Então já temos a primeira relação objeto e design: o feminino das sinuosidades.
Agora, para que serve uma xícara? Em xícaras não se tomam líquidos gelados.
Alguém aqui pode até usá-la assim, mas realmente não foi feita para bebermos água, leite ou chá gelado ou sucos e refrigerantes. Normalmente para isso se usaria um copo ou até mesmo uma caneca — caneca de chope, por exemplo.
Xícaras foram feitas para líquidos quentes, por isso tem pires, por isso são mais delicadas.
O quente, o calor, é mais delicado que o frio. O frio é cortante; o calor é estonteante. Nos cobrimos no frio, nos despimos no calor.
No inverno tomamos líquidos quentes para ter mais aconchego. Aquecemos a casa para ter mais conforto. Ou seja, o quente sempre está associado a sensações delicadas, leves, gostosas. Nos abraçamos, nos beijamos e isso dá calor, esquenta.
O amor é quente. Então temos aqui outra associação no design de uma xícara: o calor humano, a sensualidade, o amor, o sexo.
E essa linguagem mais sensual continua no modo que usamos uma xícara.
Usando uma caneca, mesmo com alça e com líquido quente, podemos segurá-la e volta, envolvendo nossas mãos pela caneca toda ou segurando pela alça, que em caso de canecas normalmente são mais grossas e menos delicadas.
Já uma xícara, por causa de sua forma, é muito mais difícil segurá-la em volta. A alça se faz necessária, passar o dedo por dentro da alça é necessário e este é um gesto sensual. Xícaras possuem pires que são usados sempre juntos e existe um encaixe entre as duas formas. São duas formas redondas, mas ainda assim um pires é mais plano, mais reto.
O ato de pegar uma xícara e levá-la à boca é uma ação mais leve, mais delicada.
Então podemos dizer, com certeza, que xícaras são femininas, sensuais e delicadas. Por isso histórias com xícaras sempre têm um tom mais romântico e lembranças mais amorosas.
No trecho de conto que encerra este artigo, tente transformar a xícara em caneca e você perceberá a diferença entre os dois objetos [...]
Isso me fez lembrar da minha mãe, que também adorava miniaturas de xícaras. Lembro-me muito bem de um móvel em miniatura que tínhamos na cozinha de casa — na verdade tínhamos dois destes — onde existiam miniaturas de xícaras. Eu mesma a presenteei e também acabei quebrando algumas de suas xicrinhas.
Também me lembro da última vez que compramos um jogo completo de xícaras que hoje estão comigo aqui em casa. Xícaras grandes, redondas, amarelas com flores delicadas em azul. Lembro-me de tomar café com minha mãe e eram momentos assim alegres, amarelos como o sol, delicados e leves como pequenas miosótis azuis.
São lembranças leves, delicadas e aconchegantes como uma xícara.
Márcia Okida (designer gráfica, professora universitária), junho de 2010
Texto publicado originalmente no site Artefato Cultural
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