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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Uma chávena de café n'A Brasileira


Fachada do Café "A Brasileira", em Lisboa. 

Uma chávena de café n’A Brasileira

A minha indumentária não é apropriada ao tempo.
Tenho frio, estou cansado, sinto-me sozinho. Tenho os meus companheiros ao meu lado, mas sinto-me sozinho. Sinto um vazio dentro de mim, quase como se existisse um buraco no meu peito, deixando escapar os meus sentimentos. O único sentimento que permanece é a dor - a dor relembra-me que estou vivo, por isso deveria estar aliviado. 
Avisto um café. Aliás, avisto O café. Vou lá todas as manhãs para beber um café e para conversar.
O meu lugar habitual está livre - já se habituaram à minha presença, todos os dias, naquela mesma mesa, por isso não a ocupam. Agradeço-lhes mentalmente.
Despeço-me dos meus companheiros e sento-me. O empregado atrás do balcão vê-me e sorri, levantando o seu chapéu. Os seus lábios formam as palavras "o habitual?" e eu anuo. Segundos depois, tenho uma fumegante chávena de café.
Ouço passos e a cadeira ao meu lado é arrastada. Alguém se senta. Não preciso de olhar para saber de quem se trata. É ela.


Ophélia.
Conversamos durante algum tempo e eu chego mesmo a rabiscar-lhe um pequeno poema num guardanapo. Ela lê o que lhe escrevi e vejo as lágrimas nos cantos dos seus olhos. O seu próprio nome parece uma canção, um poema, assim que o pronuncio. Ela sorri-me, inclinando-se para mim e acariciando-me a mão. Sinto o seu perfume e sinto-me renascido. 
Ela acaba por se ir embora e o vazio regressa. Sinto apertos no peito, como se Ophélia tivesse levado o meu coração consigo.
Decido ir embora também, acenando aos meus companheiros.

Deixo o guardanapo em cima da mesa, preso debaixo da minha chávena de café, com esperança de que Ophélia regresse para o vir buscar, guardando o meu coração junto ao dela.

Fernando Pessoa
Texto publicado originalmente no site arquivopessoa.net

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