Fachada do Café "A Brasileira", em Lisboa.
Uma
chávena de café n’A Brasileira
A
minha indumentária não é apropriada ao tempo.
Tenho
frio, estou cansado, sinto-me sozinho. Tenho os meus companheiros ao meu lado,
mas sinto-me sozinho. Sinto um vazio dentro de mim, quase como se existisse um
buraco no meu peito, deixando escapar os meus sentimentos. O único sentimento
que permanece é a dor - a dor relembra-me que estou vivo, por isso deveria
estar aliviado.
Avisto
um café. Aliás, avisto O café. Vou lá todas as manhãs para beber um café e
para conversar.
O
meu lugar habitual está livre - já se habituaram à minha presença, todos os
dias, naquela mesma mesa, por isso não a ocupam. Agradeço-lhes mentalmente.
Despeço-me
dos meus companheiros e sento-me. O empregado atrás do balcão vê-me e sorri,
levantando o seu chapéu. Os seus lábios formam as palavras "o
habitual?" e eu anuo. Segundos depois, tenho uma fumegante chávena de
café.
Ouço
passos e a cadeira ao meu lado é arrastada. Alguém se senta. Não preciso de olhar
para saber de quem se trata. É ela.
Ophélia.
Conversamos
durante algum tempo e eu chego mesmo a rabiscar-lhe um pequeno poema num
guardanapo. Ela lê o que lhe escrevi e vejo as lágrimas nos cantos dos seus
olhos. O seu próprio nome parece uma canção, um poema, assim que o
pronuncio. Ela sorri-me, inclinando-se para mim e acariciando-me a mão. Sinto o
seu perfume e sinto-me renascido.
Ela
acaba por se ir embora e o vazio regressa. Sinto apertos no peito, como se
Ophélia tivesse levado o meu coração consigo.
Decido
ir embora também, acenando aos meus companheiros.
Deixo
o guardanapo em cima da mesa, preso debaixo da minha chávena de café, com
esperança de que Ophélia regresse para o vir buscar, guardando o meu coração
junto ao dela.
Fernando Pessoa
Texto publicado originalmente no site arquivopessoa.net
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