Na tarde do dia 19 de fevereiro de 1997, na redação de Poesia Sempre, o poeta Ferreira Gullar concedeu uma longa entrevista à revista sobre o problema da poesia na crítica literária e da cultura brasileira. Estavam presentes o editor-geral da revista, Antônio Carlos Secchin que atuou também como mediador, o editor executivo Ivan Junqueira e os editores adjuntos Adriano Espínola, Jorge Wanderley, Moacyr Félix, Neide Archanjo e Suzana Vargas. Transcrevo aqui uma das respostas do poeta.
[...] assim nasceu "Nasce o poema", onde tento descrever como surge a poesia quando um flâneur caminha solitário em meio à multidão. Ninguém sabe exatamente como a poesia irrompe de onde menos se espera, às vezes cheirando a flor, outras vezes com o olor de fruta podre e que na podridão se abisma. E quanto mais perto da noite, mais grita o aroma, ora num mar de silêncio, ora num pequeno armarinho do Estácio ao cair da tarde. É que, quando eu entrei naquele armarinho do Estácio, caí na minha própria realidade. O armarinho do Estácio, imagine, foi em 1955, e eu não esperava falar sobre isso. Lembro-me de que eu estava ali com o Amílcar de Castro. Paramos para esperar o ônibus. 0 sol estava brabo e então resolvi entrar naquela loja ordinária, onde vi uma caixa de papelão com xícaras empoeiradas.
[...] assim nasceu "Nasce o poema", onde tento descrever como surge a poesia quando um flâneur caminha solitário em meio à multidão. Ninguém sabe exatamente como a poesia irrompe de onde menos se espera, às vezes cheirando a flor, outras vezes com o olor de fruta podre e que na podridão se abisma. E quanto mais perto da noite, mais grita o aroma, ora num mar de silêncio, ora num pequeno armarinho do Estácio ao cair da tarde. É que, quando eu entrei naquele armarinho do Estácio, caí na minha própria realidade. O armarinho do Estácio, imagine, foi em 1955, e eu não esperava falar sobre isso. Lembro-me de que eu estava ali com o Amílcar de Castro. Paramos para esperar o ônibus. 0 sol estava brabo e então resolvi entrar naquela loja ordinária, onde vi uma caixa de papelão com xícaras empoeiradas.
Xícaras empoeiradas
numa caixa de papelão
enquanto os ônibus passam ruidosamente
à porta e ali
dentro do silêncio da tarde menor do comércio
do Rio de janeiro
na loja do Kalil
estaria nascendo
o poema?
numa caixa de papelão
enquanto os ônibus passam ruidosamente
à porta e ali
dentro do silêncio da tarde menor do comércio
do Rio de janeiro
na loja do Kalil
estaria nascendo
o poema?
Eu já estava mergulhando no poema, mas o ônibus chegou e o encanto se esvaiu. Esse poema acabou nascendo 32 anos depois e no justo momento em que comecei a escrever outro [...]
Entrevista publicada em Poesia Sempre - Ano 6 - Número 9, março de 1998
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