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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Xícara de café

    Era uma noite comum como tantas outras. A chuva caia incansavelmente, beijando qualquer superfície com lábios afiados como uma cimitarra. Causava um barulho ensurdecedor, e ao mesmo tempo inaudível, o tipo de transe reservado aos concentrados, ou não. Vou lhes contar o que faz desta noite ímpar, ao menos para mim, afinal, estava lá. Estava sentado numa poltrona úmida, desconfortável, que exalava um odor de mofo, não havia muitas opções, entrementes era melhor que deitar no chão gelado e duro.
    Repentinamente alguém irrompe o silencio sepulcral batendo à porta, observei a porta atentamente, levanto vagarosamente, com passos leves me esgueirando, como uma presa acuada, seguro o cabo da faca fortemente e pergunto:
    - Quem é? E o que quer?
O silêncio se manteve, até uma voz rouca e aguda disparar uma resposta:
    - Aqui é a dona da pensão, trago uma xícara de café, se não quer, tudo bem, levo de volta.
    Pensei por alguns momentos, a imagem da mulher me veio à mente, era obesa, pescoço roliço, uma papada saliente, dedos gordos e compridos, usava um vestido preto velho e sujo, exalava um fedor agressivo, um fedor que invadia qualquer ambiente a qual ela se aproximava. Mas o pior de tudo era sua personalidade, uma mulher fria e amargurada, com um ar desafiador e sempre pronta para confrontos. Entendendo o silêncio, ela exclamou:
    - Pensei que numa noite gelada como essa, um cafezinho viria a calhar, e não vá achando que estou te dando colega.
    Ainda assustado, analisei a situação, e afinal de contas um cafezinho seria realmente bom. Escondi a faca e abri vagarosamente a porta, vislumbrando aquela figura hedionda, digna de algumas esmolas. Forcei um sorriso, tão frio quanto o aço, e recebi um olhar penetrante, ameaçador, por um momento não esbocei reação alguma, até que por fim ela disse:
    - Vai pegar o café ou vai ficar me encarando com essa cara de idiota?
    Corei no mesmo instante, peguei rapidamente a xícara desprovida de bule, agradeci o café e pedi mais uma pra depois. A noite seria longa, e duas xícaras não estavam nem perto do suficiente. Ela me encarou com uma expressão enigmática, não consegui decifrá-lo, neste momento percebi que ela era perigosa. Ela assentiu com a cabeça, e antes de se virar disse:
    - Jamais experimentou ou experimentará café como esse!
    Olhou-me de soslaio, com um sorriso cheio de escárnio e partiu. Se naquela noite, naquele instante, eu tive-se interpretado melhor suas palavras, dado mais atenção aquele sarcasmo, as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Coloquei a xícara sobre a mesa, sentei-me e por alguns momentos fiquei divagando. Lá fora a chuva se mostrava persistente e inabalável, ouvia-se a sinfonia urbana, quando em um átimo, um trovão me traz de volta a realidade. Estendo as mãos para a xícara e sorvo um pouco do líquido.
    Naquele momento senti minha garganta esquentando, logo em seguida todo o meu corpo, que bebida abençoada. Engeri todo o conteúdo calmamente, saboreando cada gole como se fosse o último. Ao terminar, olhei o fundo da xícara, desejando que se enchesse num passe de mágica, olhei-a por um longo tempo, quando subitamente uma dor tomou conta de meu corpo. Primeiro o estômago, logo em seguida o peito, garganta, cabeça, tudo doía, uma dor imensa, insuportável, indescritível. Meu estômago era o pior, uma dor imemorial, a cabeça recebia marteladas invisíveis e tudo girava. Como poderia? Há segundos atrás a saúde estava ótima, como? De súbito, a resposta estava clara como um dia ensolarado.
    Levantei-me com todo esforço possível, com cada fagulha de minha força quebrantada, de meus músculos enfraquecidos. Iria para o inferno, mas não iria sem a rameira gorda. Cada passo era uma batalha feroz, tremendo como um bebê assustado deixei-me cair, enfraquecido e sozinho. O chão gelado e sujo me acolheu, e percebi que ali seria minha ultima parada. Amaldiçoei a porca imunda com meus último suspiro e senti tudo sumindo, minha vida se esvaindo aos poucos e por fim, tudo escureceu.
    O mais engraçado nisso que lhes narrei, eu era apaixonado por café, bebida divina, e o meu fim veio através do mesmo.Claro que não fui o primeiro a cair num engodo semelhante, nem serei o ultimo, mas não deixa de ser cômico. Agora estou num lugar não muito agradável, mas no fim muitos de vocês me farão companhia. Com certeza a causa não será uma xícara de café ridícula, mas virá, e esperarei.

Hugo Santana Valezi, 2011
Texto publicado originalmente no site "Recanto das Letras"

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